sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Na lida ... Aprendendo para a Vida.

Traquejo é a palavra hoje.  Quando era estudante de jornalismo,  em 2003,fiz uma reportagem sobre a feira de artesanato de Belo Horizonte e as pessoas que fazem o trabalho por traz, que não aparecem,que  fazem a feira ser um sucesso, antes dela ser montada e desmontada, antes e depois das barracas . Gente que faz parte da História da feira e a feira faz parte da sua História. Das muitas pessoas que entrevistei,duas se destacaram. Uma de um rapaz  de 16 anos,com corpo franzino de um garoto de 12, que fazia 8a série do primeiro grau,(a reforma da educação veio anos depois e eu não sei o que hoje seria equivalente). Ele era um rapaz muito desconfiado, resolveu me contar sua vida , se eu não colocasse seu nome, concordei. Ele contou como era sua vida pobre e dura, e que ganhava gorjetas e pelos carretos que vazia recebia tres reais cada um . Disse que preferia acordar cedo no Domingo , saia as 3 da manha, para trabalhar as 5. Trabalhava muito  na feira para não trabalhar em dia de semana, porque  precisava estudar, falou isso com a consciência de que a educação mudaria seu rumo, sua pobreza, sua vida. Isso é um bom exemplo de traquejo.Outra História foi a de uma senhora, Adelina Apolinário, uma pessoa fascinante e fascinada pela vida. Ela tinha aquele brilho no olhar de quem faz uma grande descoberta. Ela varria a Av.Afonso Pena, a rua  da feira, antes, durantes e depois .Em 2003,fazia mais de 15 anos, que varria a ruas, em dia de  feira.Durante a semana era fiscal de um microposto da SLU, Superintendencia de Lixo Urbano,órgão público responsavel pela limpeza da cidade de Belo Horizonte. Trancrevo aqui literalmente a conversa que tive com ela, sem nenhuma alteração, datada de 2003, uma época que computadores eram populares, pouco acessíveis, não existia redes sociais, apesar de existir internet.
 A vida dessa mulher daria muitos livros. Lutando sempre com muita dificuldade, morando no interior de Minas, até os 10 anos não tinha ido à escola, nem registro tinha. Foi por incentivo de uma vizinha que foi á escola , vencendo etapas até á 3ª. Série . Teve que mudar de cidade e parou de ir á escola. Aos 12 anos , já trabalhava para ajudar sua família numa olaria, fazendo tijolos, além de já saber cozinhar, bordar, estas coisas que as mocinhas da idade dela tinham que saber na sua época. Aos 14 anos voltou a escola  e no mesmo tempo arranjou um namorado e parou de estudar de novo,para noivar e casar aos 16. Para ajudar seu marido continuou trabalhando, vendeu verdura , fruta , doce, planta, fez faxina , lavou e passou roupa. Aos 33 anos, já tinha tido 11 partos e nove filhos ficaram vivos. Separou-se do marido e se viu sozinha para colocar comida na boca de tanta gente, sua filha caçula estava com 1 ano e 4 meses e os outros eram todos menores de idade.  Cansada de trabalhar sem ser fichada , sem dinheiro e sem direito certo, decidiu que ir á luta. E nessa luta , em 1976, conseguiu emprego na SLU. Sem ter estudo foi o melhor que conseguiu. Com vontade de melhorar ,quando a sua 1ª. Filha formou a 4ª. Série, ela formou também. Sempre quis que seus filhos estudassem e se esforçou para isso, o filho que tem menos estudo tem a 7ª. Série porque ele quis parar. “Quem  diria que uma varredora de rua ia formar 2 enfermeiras? Pois,é,  tenho 2 filhas formadas e m auxliar de enfermagem, elas tem o 2º. Grau.Criei meus filhos , primeiramente com a graça de DEUS , com a força que a minha mãe me dava, olhando eles para eu trabalhar e depois com o dinheiro da SLU. Muitas vezes eu chegava e ainda batia neles  quando sabia das coisas erradas que eles faziam,  ao invés de dar carinho, a educação foi muito dura. Mas, deu tudo pra gente , graças a Deus  ” Conta enxugando as lágrimas de emoção.
Há 6 meses, a despeito de todos os comentários de que ela estava velha para isso, resolveu fazer reforço da 4ª.série e foi aí que na aula de redação, descobriu que sabia fazer poesia. Sua primeira poesia foi  muito dificil, mas saiu assim:

O SABIÁ

Por Adelina Apolinário

Certo dia eu estava para cima olhar

Lá no alto da palmeira , vi um sabiá a cantar.

Quem me dera ser você , eu disse para o sabiá,

E como se ele me respondesse, vem para cá me ajudar.

Tanta alegria que tenho, com você vou dividir,

Se você for bem esperta e poder aqui subir

 

Certa noite eu passava naquela pequena rua,

As luzes estavam apagadas, só existia a claridade da lua,

De repente, apareceu uma criança e tão logo me chamou ,

 estava com medo do escuro e tão forte ela me abraçou .

E eu logo imaginei:- Que mãe desnaturada, deixando seu filho sozinho abandonado naquela casa!

Mas, foi grande o meu engano, não podia assim imaginar.

Para sustentar aquela criança a mãe tinha ido trabalhar .

Pois, no outro dia bem cedo, antes do romper da aurora,

Ela chegava contente ,preparava os alimentos

e mandava seu filho para a escola.

Nesse corre-corre a nossa vida se torna uma rotina ,

Nem tudo que se escreve aconteceu de verdade,

 são apenas as palavras que se rima.

 (“Fiz esta poesia porque muita gente julga as mães que trabalham , quando os filhos fazem coisas erradas  a culpa do erro é da mãe e isso é muito injusto.” Adelina Apolinário)
    Passou para 5ª. Série e está lendo o livro “O caso da borboleta atíria ,” para um trabalho, o que está fazendo seus primeiros cabelos brancos aparecerem. Adelina não pára (com os 9 filhos casados e 26 netos , mora sozinha no bairro São Salvador ,no lote ao lado da casa da mãe que tem  91 anos de idade) quer terminar o 1º.grau,  continuar escrevendo suas poesias e registrá-las,além de fazer sua biografia. “Agora , nas datas importantes (aniversários, despedidas, dia das crianças , dos professores ) tenho algo para oferecer.” Diz a poetisa. - Fim da transcrição -

Traquejo é Habilidade, prática, experiência. Aprendizado para melhorar de vida.Finura no proceder, em saber impor-se em sociedade. . Traquejo é adquirido, não tem como comprar  é ter classe. Infelizmente,tem quem usa o traquejo que adquire como malandragem e para obter lucros ilicitos, com politica e politicagem  Traquejo, como os que eu contei, é traquejo bom, usado para melhorar como pessoa, reter o que é bom da vida, para Ser. Traquejo de quem  usa o que aprende para melhorar o mundo, ainda que seja somente o seu mundo, de grão , em grão.Gosto , me identifico com essa gente que se esforça, sacrifica, por acreditar que se fizer o que pode fazer, do jeito que der para fazer, pode fazer o melhor e faz diferença a começar dentro dela. Essa gente que acredita que o trabalho, o estudo, pode trazer algo de tão maravilhoso,que faz um carregador ser estudante, valorizar a educação, apesar do atraso, da pobreza da dureza da vida . Essa gente que não foge á luta, que arregaça as mangas, varrendo, limpa as ruas, transforma a cidade, sustenta sua casa, alimenta a familia. Gente que pode  chegar ao infinito, com sua garra tranformadora que é capaz de ter,de dia uma vassoura na mão, a noite com uma caneta fazer poesia. Gente que sonha ''de pé no chão '', de peito aberto, de coração a larga, cabeça erguida.  Gente que se faz exemplo, e tem uma riqueza, que construiu com dignidade,isso .ninguém pode tirar. Gosto dessa gente que faz bem feito, trabalhando,acredita no melhor do mundo. Gente que dá um sentido maior nas coisas mais corriqueiras, faz com que valha a vida  . Gente que sabe que a vida  não pára, que é curta demais. Gente que faz a hora,não espera  acontecer e  agarra a chance mínima, com o seu máximo, sempre traquejando pela vida! Viva a vida!!